Rachel Duarte
“Vou derrotar alguns jornais e revistas que se comportam como partidos políticos”. Talvez este tenha sido o ápice do discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no último final de semana, durante comício em Campinas (SP). Não precisava nem ser ano de eleição para a declaração repercutir como uma bomba ao longo desta semana. A posição da Associação Nacional de Jornais (ANJ) foi dada pela sua presidente. Judith Britto afirmou que, por falta de uma oposição ao governo de Lula, a imprensa ocuparia este papel.
Hoje, diferentes grupos estão nas ruas da capital paulista fomentando o debate sobre liberdade de imprensa. Porém, os confrontos entre imprensa e governantes e até mesmo entre imprensa e candidatos à presidência da República não é novidade no Brasil Republicano. Em 1954, quando foi anunciado o suicídio do presidente Getúlio Vargas, defensores do seu governo invadiram e depredaram as redações dos Diários e Emissoras Associados (DEA), que criticavam duramente as ações do presidente trabalhista. Segundo o historiador gaúcho Voltaire Schilling, a campanha O Petróleo é Nosso pautou a imprensa, liderada pelo influente Francisco de Assis Chateaubriand, dono dos DEA. Ele alegava que a Petrobras seria uma concessão aos comunistas. “Este foi o caso mais famoso e que levou a um desenlace dramático: o suicídio de Getúlio. O argumento da imprensa era o de que estava sendo criada uma estatal contra o país. A iniciante TV Tupi impulsionou esta crise”, disse.
Em defesa de Getúlio surgiu o jornal Última Hora, do jornalista Samuel Wainer. A ideia inicial do jornal foi de Vargas, que conheceu Wainer quando o jornalista o entrevistou em 1949. Vargas estava “exilado” na sua fazenda em São Borja desde que fora deposto, mas já planejava o retorno. Em 50, voltou ao poder, eleito democraticamente. A UH defendeu o governo durante todo o seu mandato (1951-54). Por conta disso, enfrentou uma série de campanhas que ameaçavam a sua própria existência.
Durante o governo de João Goulart, a Última Hora permaneceu fiel à sua tradição trabalhista, apoiando o presidente até as vésperas do movimento militar que o depôs, em 1º de abril de 1964. Depois do golpe, a Última Hora foi apedrejada e Samuel Wainer teve seus direitos políticos cassados. Mas o jornal prosseguiu na sua trajetória popular e nacionalista até 1971, quando foi vendido por Wainer. A antiga redação foi desmantelada e o jornal passou por vários proprietários até 91, quando encerrou definitivamente suas atividades.
Segundo o historiador Schilling, no caso de Jango, “a grande mídia também se revoltava contra os propósitos de transformar o Brasil em uma democracia de massas”. Ele conta que foi feito um trabalho de corrosão pelo rádio. “Eram programas humorísticos, onde claramente era posto que o governo era corrupto”, conta. A diferença do que era feito no começo do Brasil República para a era Lula, segundo o professor, é que hoje a imprensa não pede o golpe de estado. “Por mais que a mídia faça manifestações contra o Lula, como sempre fez com os governantes com projetos que defendam os interesses das classes mais populares, eles não pedem o golpe”, argumentou. Ele salienta ainda que os interesses dos veículos de comunicação mais influentes do país nunca foram os mesmos dos modelos de gestão de partidos socialdemocratas. “Os grandes patrocinadores destes veículos não têm a preocupação social e é a estes que eles servem. O interesse patronal predomina na pauta destes veículos”, afirma.
O jornalista e doutor em Comunicação, editor da Revista da ADUSP (Associação dos Docentes da USP), Pedro Pomar, explica que o surgimento dos jornais no Brasil teve forte motivação política e, no período republicano, essa vocação se mantém mesmo após o processo de transformações dos grandes jornais, que deixaram de ser empreendimentos familiares para serem modernas empresas capitalistas. “Iniciou com o Jornal do Brasil, depois alcança A Província de S. Paulo (que se tornará O Estado de S. Paulo), o Correio Paulistano e diversos outros. O Correio Paulistano, sólido jornal diário que foi um dos maiores da capital paulista por várias décadas, é uma boa expressão da imprensa da segunda metade do século 19 e primeira metade do século 20, pois era o jornal oficial do Partido Republicano Paulista (PRP), a mais fina representação dos grandes cafeicultores”.
Como exemplo da notória influência dos grandes jornais e emissoras de rádio e, depois, das emissoras e redes de TV, nas crises políticas nacionais, o jornalista voltou ao exemplo de 64, também referido pelo historiador Voltaire Schilling. “Um exemplo sempre lembrado é a participação dos grandes jornais no cerco golpista da UDN (e de outras forças reacionários) a Vargas, participação essa que depois recebeu o devido troco da população revoltada". E, também citou um caso mais recente: a eleição de Fernando Collor de Mello. “Houve uma adesão de importantes setores da mídia, TV Globo à frente, à candidatura de Collor de Mello, em 1989. Esse engajamento midiático foi decisivo para a derrota de Lula”, recordou.
Quanto aos interesses que levam a este comportamento de parte da mídia, ele generaliza: “Existe um interesse pecuniário direto, uma relação de troca. Por exemplo, o governo de São Paulo acaba de adquirir, sem licitação, 34 milhões de reais em publicações da Editora Abril. É um negócio interessante para a Abril. Por outro lado, existem os interesses de classe desse setor do empresariado, que sempre se alinhou às forças políticas mais conservadoras do país. Assim, quando a Folha de S. Paulo fala em “ditabranda” para definir a Ditadura Militar de 1964, isso remete imediatamente ao apoio que essa empresa deu àquele regime”, falou.
O jornalista vai mais além e questiona: “Quando a TV Globo abre campanha contra os quilombolas e se recusa a publicar matéria paga favorável às cotas étnicas na universidade, isso reflete ou não uma posição de classe, ideológica e também política?”
Regulamentação e entrelinhas
Para o presidente da FENAJ, Celso Schröder, a alternativa para evitar o que considera “uma relação ambígua dos grandes meios de comunicação com o centro do poder no país” seria efetivar o que já foi pactuado com os empresários destes veículos e o restante da categoria na 1ª Conferência Nacional de Comunicação. “O melhor modelo seria o norte-americano, que combate, entre outras coisas, os cartéis das concessões para as empresas jornalísticas”, defendeu.
Schröder afirma que, mundialmente, há veículos que ultrapassam o seu papel de comunicadores e fiscalizadores dos poderes, mas, reconhece alguns excessos ocorridos no Brasil. “Existem dois grupos de jornais impressos que têm candidato e isto não é assumido”, mas é nítido. O presidente da Fenaj alega que existem duas razões por trás deste comportamento da imprensa do eixo do país: brecar a regulamentação do sistema de comunicação do Brasil e influenciar no resultado da eleição presidencial. “A interferência no processo eleitoral cria um ambiente negativo, influenciando no resultado das pesquisas”, justifica.
Neste mesmo sentido, o fundador do Movimento dos Sem Mídia (MSM), Eduardo Guimarães, que colaborou na organização do ato desta quinta-feira em SP, afirmou ao Sul21, nesta quarta-feira, 22, que há uma posição velada adotada por parte da imprensa neste pleito. “Há uma clara tentativa de influir no processo eleitoral e, na legislação do Brasil, veículos que têm concessão pública, como emissoras de rádio e televisão, não podem, por lei, manifestar apoio a qualquer candidato. Há veículos que têm concessão pública e que estão fazendo campanha para José Serra. E, mesmo os veículos impressos têm que agir com responsabilidade durante as eleições. Vamos pedir oficialmente, no ato público, respeito à população. Pediremos um processo eleitoral limpo”, antecipou.
Na avaliação do doutor em Comunicação, Pedro Pomar, a ANJ é um órgão do patronato e representa os interesses desse setor do capital e a pretensão de falar em nome da oposição conservadora, e até de assumir a liderança nos ataques ao governo Lula, revela uma dicotomia. “Por um lado, é a eterna pretensão de um setor da imprensa brasileira de agir como partido político e por outro lado, um certo desespero diante da constatação de que seus aliados tradicionais, os partidos conservadores, em especial o PSDB, não conseguem se firmar como uma alternativa política consistente diante da sociedade brasileira”, afirmou.
Os donos da comunicação no Brasil
Na manhã desta quinta-feira, 23, o presidente Lula concedeu entrevista sobre este tema ao site Terra. Ele criticou o comportamento da imprensa que “ao disseminar bobagens vai despolitizando a sociedade”. Entre outras coisas declarou: “Agora, estão dizendo que a TV pública é a TV do Lula. Nunca disseram que a TV pública de São Paulo é do governador de São Paulo e as outras são dos outros governadores”.
Para Lula, críticas à falta de liberdade na área de comunicação, mais do que injustas, não têm sentido. Ele diz duvidar que outros países tenham mais liberdade de informação do que o Brasil. “A verdade é que nós temos nove ou dez famílias que dominam toda a comunicação desse País. A verdade é que você viaja pelo Brasil e você tem duas ou três famílias que são donas dos canais de televisão. E os mesmos são donos das rádios e os mesmos são donos dos jornais”, disparou.
Segundo o presidente da FENAJ, Celso Schröder, o discurso do presidente, bem como as críticas da imprensa são legítimos no processo democrático, porém, questiona a decisão de determinados veículos em ser a oposição do governo Lula. “Não dá para a imprensa ser um partido. Mas, há de se preservar a neutralidade da objetividade jornalística que a imprensa deve exercer. Mas, nós temos dados assustadores de senadores e deputados federais ou mesmos presidentes, que são proprietários de veículos de comunicação”, confirmou.
Sobre a regulamentação do sistema de comunicação do país, o editor da Revista da ADUSP Pedro Pomar salienta que é fundamental o debate na sociedade. “No que diz respeito às mídias eletrônicas de massa, o simples cumprimento dos dispositivos da Constituição Federal já seria um avanço em matéria de regulamentação”, afirma. Pomar recordou que, entre as prioridades aprovadas na I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), em dezembro de 2009, “a regulamentação do artigo 221 da Constituição Federal e sua observância no que tange aos quesitos que as emissoras de rádio e TV devem preencher para obter outorgas e renovação de outorgas, ou seja: preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente; regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família”.
(fonte: sítio Sul21 24/9)
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