domingo, 28 de novembro de 2010

O morro desceu

Como já tinha falado há alguns posts estava lendo o livro sobre a história das canções de Paulo César Pinheiro. E durante essa semana em que o Rio de Janeiro, minha terra de coração e de certidão de nascimento, viveu uma guerra civil explícita, uma das canções me chamou a atenção. Ele mesmo que também fez uma belíssima canção sobre os nomes das favelas do Rio que estavam perdendo a poesia, falava no samba "O dia em que o morro descer e não for carnaval" sobre o que acontecia.

No texto em que ele explica como fez a música fica claro o quanto era previsível que isso acontecesse. Ele fala sobre o quanto as comunidades são esquecidas pelo poder público, e o quanto elas passam a fazer parte do espetáculo que é o carnaval e que atrai turistas do mundo inteiro. Ele questiona o que aconteceria se todo aquele povo, esquecido e à margem da sociedade resolvesse descer o morro e "tomar sua parte" do que produzia.

Uma música profética, como várias outras que fez durante sua vida. Ainda bem, que na vida real, pelo menos por enquanto, a polícia venceu.

O dia em que o morro descer e não for carnaval
Wilson das Neves e Paulo César Pinheiro

O dia em que o morro descer e não for carnaval
ninguém vai ficar pra assistir o desfile final
na entrada rajada de fogos pra quem nunca viu
vai ser de escopeta, metralha, granada e fuzil
(é a guerra civil)

No dia em que o morro descer e não for carnaval
não vai nem dar tempo de ter o ensaio geral
e cada uma ala da escola será uma quadrilha
a evolução já vai ser de guerrilha
e a alegoria um tremendo arsenal
o tema do enredo vai ser a cidade partida
no dia em que o couro comer na avenida
se o morro descer e não for carnaval

O povo virá de cortiço, alagado e favela
mostrando a miséria sobre a passarela
sem a fantasia que sai no jornal
vai ser uma única escola, uma só bateria
quem vai ser jurado? Ninguém gostaria
que desfile assim não vai ter nada igual

Não tem órgão oficial, nem governo, nem Liga
nem autoridade que compre essa briga
ninguém sabe a força desse pessoal
melhor é o Poder devolver à esse povo a alegria
senão todo mundo vai sambar no dia
em que o morro descer e não for carnaval.

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